quarta-feira, 19 de maio de 2010

Fotografia documental: refletir o “nosso tempo”

Artista visual, professor e fotógrafo, Felipe Prando desenvolve amanhã oficina sobre fotografia documental no Floripa na Foto. A intenção é fazer os participantes refletirem sobre o papel deste tipo de fotografia nos dias de hoje, quando muitas pessoas acreditam que tudo já foi fotografado. Para isso, Felipe selecionou alguns projetos bastante clássicos, como Lewis Hine, passando pela Agência Magnum, até alguns trabalhos mais recentes, que visam estimular a discussão sobre novos modos de contar histórias, e não apenas retratar a existência de algum acontecimento.

A imagem do post faz parte de um trabalho chamado “Fábrica", realizado entre 2005 e 2007. A ideia do projeto surgiu depois que Felipe visitou uma região industrial que havia automatizado seu processo de produção. Assim, o fotógrafo procurou outras áreas industriais desativadas por essa reestruturação e ex-trabalhadores sem emprego pelo mesmo processo. Foto: Felipe Prando

Quando e como começou sua história na fotografia?
FP: Histórias com a fotografia todos têm todos os dias. Fotografamos, somos fotografados, e vemos fotografias. Comecei e ter outra relação com a fotografia, diria que mais intensa, a partir de 2003. Senti a necessidade de encontrar outras formas de comunicação e de trabalho. Já estava dando aula e via uma insuficiência da linguagem acadêmica para comunicar e pensar a vida que vivia. Em 2003 fiz um curso de Fotografia Documental no Núcleo de Estudos da Fotografia (Curitiba) e não parei mais.

Como é a sua rotina de trabalho? Desenvolve mais alguma outra atividade?
FP: Minha rotina é bastante variada. Faço muitas coisas ao mesmo tempo. Raramente estou envolvido em apenas uma atividade. Além de desenvolver meus projetos artísticos e fotográficos, também sou professor. A literatura é sempre importante para todas as minhas atividades, então sempre cavo um tempo para ler. Aliás, o que mais faço é ler, textos literários (prefiro ficção), textos sobre fotografia, artes, filosofia.

Você costuma fotografar com câmera digital ou analógica? Por quê?
FP: Tanto faz. Fotografo com câmera digital ou analógica. Nos meus projetos isto acaba sendo indiferente, pois não discuto o aparelho, apenas o utilizo para desenvolver histórias. Tenho a impressão de que cada vez mais esta questão vá desaparecer, pois não se trata mais de “câmera fotográfica” aquela comprada numa “loja de equipamentos fotográficos”. A imagem hoje está cada vez mais ligada ao campo da informação, da transmissão de dados. Esta capacidade de produzir informação e transmitir dados é o que tem importância nos dias de hoje. Produzir informação por meio digital, ou analógico, não parecer ser a questão fundamental.

A popularização da fotografia digital banaliza a profissão do fotógrafo?
FP: Não acredito nisso. A tendência da fotografia sempre foi ser popular desde a sua invenção como uma nova tecnologia do século XIX. No início do século XX quando surgiram as câmeras portáteis 35mm, e com o serviço prestado pela Kodak de “clique e nós fazemos o resto” houve um outra expansão da fotografia. Parece que o papel da fotografia é sempre tornar-se mais popular. Porém, acredito que este processo causa transformações na profissão do fotógrafo. Um dia ser fotógrafo foi dominar um aparato (produzir sua câmera, seu negativo, sua revelação, etc.), outro dia foi ser capaz de mostrar um mundo novo e desconhecido, depois de produzir imagens que desenvolveram um pensamento sobre as formas estéticas da própria fotografia (enquadramento, luz, composição). A sensação é de que todos estes saberes e desafios construídos na história da fotografia já estão também disseminados. Todos são fotógrafos hoje? Podemos dizer que muitos fotografam. Imagino sempre que o que ainda diferencia uma pessoa que fotografa, de um fotógrafo é a condição de pensar sobre “o que” e “por que”. É estar com muitas fotografias sobre uma mesa, ou numa pasta do “meus documentos” e se dar ao trabalho de elaborar, pensar estas todas aquelas imagens captadas.

Você costuma editar suas fotos com programa de edição de imagens (tipo photoshop)? O que acha desta prática?
FP: Eu utilizo o “photoshop” para “tratar” imagens dos meus trabalhos. O utilizo como uma ferramenta que anteriormente era atribuída ao laboratorista. Correção de cor, contraste, re-enquadrar se necessário, etc. Estas coisas que desde sempre são necessárias fazer. Antigamente deixávamos um rolo de filme no laboratório e quando buscávamos já estava tudo pronto. Muitos desconheciam, ou não era tão visível, esta etapa do processo fotográfico. Hoje isto se tornou visível, e mais acessível, “banalizou” como você diz na pergunta anterior. Hoje duvidamos mais da imagem fotográfica, o que é bom. Antes a fotografia era colocada num pedestal da verdade, da objetividade, hoje ela é mais uma dúvida com a qual trabalhamos. Gostaria de dizer uma coisa mais sobre o que penso sobre edição de imagens. Não a penso apenas como “tratamento de imagem”. O processo de edição é a parte mais importante num trabalho fotográfico. Pra mim edição é o momento em que pergunto sobre o que é o trabalho, como tornar compreensível a idéia que desenvolvo num trabalho. Como contar uma história? Qual a melhor estrutura narrativa para contar uma história? Estas perguntas encaminham meu processo de edição.

O que caracteriza uma boa foto?
FP: Uma boa foto? Não sei responder. Talvez eu prefira pensar em trabalhos interessantes, projetos fotográficos interessantes.

Cite alguns fotógrafos que são referência no seu trabalho.
FP: São muitos, e dependem da época e do trabalho que estou desenvolvendo. Dois que foram importantes na minha formação são o Nikos Economoupolus e o Josef Koudelka que fazem parte da Agência Magnum. Quem também é uma referência importante no meu trabalho é o Juan Travnik, que desenvolveu um projeto de mais de 10 anos sobre ex-combatentes da Guerra das Malvinas. Há alguns artistas americanos como Dan Graham e Robert Smithson que hoje tenho estudo bastante e têm sido importantes para pensar meus novos projetos.

Qual o papel da fotografia na sociedade?
FP: O papel da fotografia hoje é a produção de reflexão sobre a contemporaneidade. É necessário provocar a reflexão, o que não significa necessariamente provocar comoção/choque. Também não creio que seja papel da fotografia, digo da fotografia documental, a produção pura e simplesmente de imagens agradáveis ao olhar. Um trabalho fotográfico pode comover, ou não, agradar aos olhos, ou não, mas não pode abrir mão de provocar reflexões sobre a nossa contemporaneidade.

Qual a função da fotografia documental? Toda fotografia é documental?
FP: Outro dia um amigo comentou que o século XXI será de uma determinada disciplina. Não acredito nisto. Minha impressão vai num sentido contrário, num sentido de que temos que re-pensar estes campos disciplinares, específicos, que o conhecimento do século XIX e XX produziu. Não sei se toda fotografia é documental, mas me parece essencial que a fotografia documental dialogue com outros campos da fotografia. Atualmente existem projetos de artistas e fotógrafos que não são especialistas em fotografia documental, mas que conversam com o que chamamos de fotografia documental. E isto não é completamente novo, já nos anos 70 alguns trabalhos já atuavam nesta fronteira. Posso citar um chileno chamado Alfredo Jaar (anos 90) que desenvolveu um projeto longo sobre o massacre de Ruanda, ou o trabalho do Dan Graham (anos 70) sobre projetos habitacionais nos subúrbios norte-americanos, o trabalho sobre quartos da Rochelle Costi (anos 90). Temos cada vez mais exemplos de trabalhos que caminham neste sentido. De outro lado há fotógrafos documentaristas, como o canadense Alan Sekulla, que conversa com outras disciplinas da fotografia e das artes visuais, no mesmo sentido temos o britânico Martin Parr que pertence a Agência Magnum. Há muitos exemplos neste sentido.

Mini-currículum de Felipe Prando:
Artista visual, mestrando em Artes Visuais linha Processos Artísticos Contemporâneos. Desenvolve projetos artísticos fotográficos desde 2004. Participou do Coletivo “Escapatórias” com Milla Jung e Anuschka Lemos. Professor de fotografia documental e fotografia contemporânea do Núcleo de Estudos da Fotografia, em Curitiba, espaço de produção, pesquisa e debate sobre imagem. Foi selecionado no programa de “Bolsas de Estímulo à Criação Artística-Fotográfica Contemporânea” da FUNARTE 2008. Participou do programa "Bolsa Produção para Artes Visuais" da Fundação Cultural de Curitiba. Realizou exposições no Brasil, Argentina, Peru, Venezuela, Bélgica, e tem obras no acervo do Museet for Fotokunst e Odense-Dinamarca.

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